MULHER AO ESPELHO - Cecília Meireles

Hoje que seja esta ou aquela,

pouco me importa.

Quero apenas parecer bela,

pois, seja qual for, estou morta.



Já fui loura, já fui morena,

já fui Margarida e Beatriz.

Já fui Maria e Madalena.

Só não pude ser como quis.



Que mal faz, esta cor fingida

do meu cabelo, e do meu rosto,

se tudo é tinta: o mundo, a vida,

o contentamento, o desgosto?


Por fora, serei como queira

a moda, que me vai matando.

Que me levem pele e caveira

ao nada, não me importa quando.



Mas quem viu, tão dilacerados,

olhos, braços e sonhos seus

e morreu pelos seus pecados,

falará com Deus.



Falará, coberta de luzes,

do alto penteado ao rubro artelho.

Porque uns expiram sobre cruzes,

outros, buscando-se no espelho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário